Hoje vou mudar um pouquinho...abaixo vem o trecho de uma música de uma banda que como já falei antes, eu adoro, "Todo Carnaval Tem Seu Fim" do Los hermanos, e em seguida o texto de um grande amigo meu, a respeito da vida e das pessoas inspirado no trecho dessa música e numa crônica chamada "O sol nascerá amanhã" do Otávio Paz, cronista do Jornal do Brasil....
"Todo dia um ninguém josé acorda já deitado
Todo dia, ainda de pé, o zé dorme acordado.
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia.
Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado de que o dia insiste em nascer.
Mas o dia insiste em nascer pra ver deitar o novo.
Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada.
Toda bossa é nova e você não liga se é usada.
Todo carnaval tem seu fim. Todo carnaval tem seu fim
É o fim, é o fim.
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz!
Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco?
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco.
Toda escola é feita por quem acorda já deitado.
Toda fola elege um alguém que mora logo ao lado e pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul.
Pra que mudar?
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz!"
("Todo Carnaval tem seu fim" - Marcelo Camelo)
"Ensaio"
A estrutura da letra da canção já passa um pouco da idéia principal – a repetição, a rotina, o “tudo igual todo dia”, sem conteúdo, sem motivação. A personagem principal não tem nem mesmo ligação com a designação que é normalmente dada àquele que não tem identidade nem importância, o joão ninguém – ela é o “ninguém josé”, desvinculado da referência do que é comum, o “joão ninguém”. Ele acorda e já está deitado, esperando o fim do dia; e dorme acordado, enquanto ainda está de pé. Ele não está inteiro em nada do que faz, pois está focado no que vem depois (acorda e espera o momento de deitar de novo; está de pé e, em lugar de estar acordado, dorme).
Toda trilha (aqui, usada na acepção de caminho novo, alternativa a ser seguida, caminho ainda seguido por uma minoria – em oposição a estrada, por exemplo, que seria um caminho instituído, “oficial”) é seguida com esperança de que “amanhã vai ser outro dia, o sol vai nascer de novo”. E quando isso acontece, não traz em si nada de novo, é apenas a espera para ver deitar o que acabou de nascer.
Em seu mundo, tudo é rotulado e não há uma preocupação com a essência – a rosa é rosa porque é chamada assim (poderia também ser chamada de margarida ou de cravo, já que ninguém vai além do rótulo, da superfície. As coisas chamadas de novas são, em verdade, usadas, de segunda mão – e isso não faz a menor diferença. O carnaval, os “três dias de folia e brincadeira”, onde ninguém é de ninguém e os participantes extravasam uma alegria que na maioria das vezes não sentem, também termina. O mundo do ninguém josé é oco e vazio e é melhor para ele que seja assim, pois o questionamento do status quo vai levar à busca de alguma coisa para colocar no lugar e não há nada. Então deixa ele brincar de ser feliz (não ser feliz de verdade, apenas brincar de, fazer de conta que é feliz), deixa ele pintar o nariz. Para que mudar? Deixa tudo como está. Pior do que o “admirável gado novo”, que sequer tem consciência do que está acontecendo à sua volta, o ninguém josé sente o vazio da vida e de si mesmo, e não quer balançar os alicerces da sua estrutura, prefere não mudar – porque não tem nada para que mudar.
A história da humanidade tem sido, essencialmente, sempre a mesma. Uma minoria insatisfeita com o status quo propõe caminhos alternativos, trilhas a serem seguidas para tentar encontrar uma coisa nova. Esta minoria é gradualmente aumentada por novas adesões até que o antigo seja substituído pelo novo – uma nova estética, um novo pensamento político, uma nova maneira das pessoas verem a vida e a si mesmas. Isto fica sendo válido até que o novo se torne maciço, pesado, petrificado, e comece a gerar descontentamento em uma minoria que, insatisfeita com o rumo tomado pelas coisas, sugira alterativas de mudança.
E em que a modernidade é diferente? Ela demoliu o anterior sem colocar nada em seu lugar. Ela negou o passado e anunciou o futuro como a Terra Prometida. Criticou, mudou, mas não conseguiu progredir – estacionou, e de certa forma, por ter estacionado, regrediu.
A modernidade caminha sobre campo minado, face a todas as ameaças de aniquilação que tem que enfrentar (bombas atômicas, esgotamento dos recursos naturais do planeta, fome, parar no espaço e no tempo em consequência de correntes ideológicas castradoras, entre outras). Não há como se refugiar no passado, pois é justamente este passado que ela critica. A fórmula “crítica + mudança = progresso” que resultaria em um futuro melhor, deixou apenas um negativismo coletivo e a maioria das pessoas sem referencial, buscando as aparências e optando por deixar tudo como está, já que a perspectiva de um futuro positivo não se confirmou.
Então, o tempo que se tem é o tempo presente. O tempo da pós-modernidade, ou o tempo do agora, não olha para trás nem para frente em busca de respostas. Para não enfrentar a realidade dos dias que apenas se sucedem aos anteriores, o ninguém josé prefere se refugiar no momento presente, na alegria fugaz, e esta pode ser a resposta para um momento que não tem outras respostas. Porque o presente é sempre real, já que é realmente o único tempo do qual ele participa e no qual está efetivamente vivo – qualquer outro tempo é uma ilusão (o passado já acabou e só pode ser usado como ponto de referência; o futuro ainda não aconteceu e, quando acontecer, não será mais futuro e sim presente).
O ninguém josé opta por se refugiar no presente, nos prazeres momentâneos e fugazes como forma de evitar encarar o quadro desolador que o futuro que ele vislumbrava lhe trouxe. Mas Otávio Paz argumenta que é no presente que se encontram as respostas, ainda que não se saiba exatamente como encontrá-las. O tempo da pós-modernidade é o tempo do agora, o tempo presente, que ainda nos parece um campo árido, vasto e deserto. Mas ele está lá, porque estamos vivos. E sabemos que estamos vivos justamente porque optamos (e optar significa tomar uma decisão, seja ela consciente ou inconsciente, optar implica em exercício da vontade) algumas vezes por ignorar o vazio e buscamos uma alegria antiga e conhecida, que é em si mesma falsa por estar ligada a momentos que fazem parte do passado. É uma alegria de carnaval, condenada a ter um fim.
A presença da morte no presente, de braços dados com a vida, pode ajudar a construir melhores alicerces. Os ninguéns josés devem parar de brincar de serem felizes, para poderem pensar em ser felizes de verdade.
(Gabriel Torres)
Um comentário:
Você é aluna do Sergio Mota?
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